sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Rogério Magro
A Emboscada


Ao fim da tarde do dia anterior à partida para mais uma operação, fui chamado ao gabinete do Capitão que me ordenou que providenciasse a requisição de rações de combate para dois dias e para 70 homens e para ter em conta que levaria 12 militares negros dos "flechas" e que se tratava de efectuar uma escolta e segurança a uma coluna de reabastecimento.

Quartel de Gago Coutinho - 1968

A partida seria pelas 7 horas da manhã.
Tratei do que tinha a tratar e ao outro dia pelas 6 horas já estava pronto e no local da partida - parada do quartel em Gago Coutinho.
Foi-me dada a informação final que o destino da coluna seria o Ninda, onde estava instalada a Comp.Caç.1720, comandada pelo Capitão Pimenta.
Ninda situava-se a uns 90 kms a sul de Gago Coutinho.

Picada de Gago Coutinho para o Ninda

Às sete em ponto partimos em direcção a Ninda.
Distribui os carros da forma seguinte:

- À frente da coluna ia o Unimog com a metralhadora MG montada em tripé e com os laterais blindados;

- No 2º Unimog ia eu com a minha secção de combate;
- Atrás de mim ia o Unimog com os "flechas";
- Logo a seguir o Unimog com o Furriel Sousa e seu pessoal;
- No meio da coluna seguiam os três camiões civis carregados de géneros alimentícios;
- A fechar a coluna seguiam mais três Unimogs onde ia o Furriel Godinho.

Os primeiros 20, 30 kms eram de estrada em terra dura e vermelha e os restantes em picada arenosa em que se circulava pelos trilhos existentes.
Como os primeiros 30 kms eram de estrada razoável as viaturas rolavam a boa velocidade e com algum espaço entre elas por causa do pó vermelho levantado pelas viaturas da frente.
Percorridos aí uns vinte e tal kms e logo a seguir a uma pequena curva, eram 7,30 horas, ouviu-se um tiro de pistola (ordem para dar início à emboscada) e, de imediato, começa o tiroteio.
Tendo a emboscada sido efectuada do lado esquerdo em relação ao sentido da marcha e indo eu sentado ao lado do condutor, saltei da viatura para o lado contrário à emboscada.
A resposta das NT foi imediata.
O tiroteio foi intenso e a determinada altura fartei-me de gritar para pararem com o fogo, mas não consegui fazer-me ouvir.
Acabei por verificar, mais tarde, que até se chegou a fazer fogo para o lado contrário ao local da emboscada! Enfim..., coisas que acontecem na guerra!
Por fim lá consegui que os tiros parassem e, de imediato, perguntei se havia feridos. Informaram-me que sim e chamei o radiotelegrafista e dei-lhe instruções para que entrasse em contacto com a base para pedir um "héli" para evacuação de feridos.
Lembro-me de, logo a seguir, se ter abeirado de mim o chefe dos "flechas" e me ter dito:
- "Mê Furriel, mê pessoal não ter munição, descarregou o carregador da G3 todo”.
Eu respondi-lhe:
- "Olha, agora manda-os apanhar pedras e se houver mais algum ataque, vocês respondem à pedrada, Ok?!”

Entretanto começo a ouvir vozes na mata o que me deixou perplexo e, como as vozes continuassem, mandei chamar o homem do morteiro 61 e ordenei-lhe que efectuasse 3 morteiradas - uma para cada lado e outra para o meio do local onde foi efectuada a emboscada.
Não obtivemos resposta do IN.
Comecei a pensar que talvez os tipos estivessem em dificuldades e decidi avançar com a tropa em linha e começar a bater a mata a fogo.
Antes de iniciar essa operação, dei instruções ao Godinho para organizar a segurança aos camiões e às viaturas.
Bater a mata a fogo e em linha e a ouvir vozes, foi complicado! Dei ordens que só se faria fogo á minha voz de “fogo”.
Muito "berrei"! Até rouco fiquei de tanto "berrar"!
A progressão em linha requer muitos cuidados, um dos quais é elementar; os militares devem afastar-se uns dos outros e não se juntarem (como acontece, quase sempre nestes casos, devido à tensão que se apodera de nós).
Fomos progredindo e deixamos de ouvir vozes, mas a dada altura começamos a ver rastos de sangue no chão e à medida que íamos avançando o sangue era mais abundante.
Entretanto, começamos a ser sobrevoados por dois T6 que tinham levantado voo de Gago Coutinho.
Esse apoio foi bem-vindo, pois deu-nos outra moral e lá de cima era mais fácil dar-nos a indicação da localização do IN.
Os rastos de sangue eram cada vez maiores e levaram-nos ao encontro de um militar do MPLA que não estava fardado e que se encontrava bastante ferido.
Tinham-no arrastado pelo chão, mas como se aperceberam que estavam a ser perseguidos, abandonaram-no.
Eu fui a segunda pessoa a chegar junto dele, a primeira foi um soldado que logo lhe aplicou uma valente coronhada que lhe abriu a cabeça.
Impus-me e não deixei que o agredissem mais. Fizeram pressão para o matar, eu não consenti.
Dado que ele não se conseguia levantar, baixei-me e perguntei-lhe onde estava a arma, já que quando o encontramos estava desarmado.
Respondeu-me em português que não sabia falar português e isso irritou-me!.


Dei instruções para que o transportassem para a picada para junto das viaturas e mandei bater o local a pente fino. De imediato apareceram as cartucheiras que estavam escondidas na mata e passado mais algum tempo lá apareceu a arma semi-automática Simonov que estava igualmente escondida nuns arbustos.
Entretanto, chegou o "héli" que aterrou num descampado, na mata, para evacuar os feridos. Corri para junto do mesmo e só aí verifiquei que os feridos eram somente dois, o Furriel Sousa que partiu um pé ao saltar da viatura e um soldado "flecha" que apanhou um tiro num braço.
Falei com o tenente piloto do "héli" e, informando-o que tinha um prisioneiro bastante ferido, perguntei-lhe se tinha lugar para ele, ao que me respondeu afirmativamente.
Dei instruções para irem buscar o prisioneiro que já se encontrava junto à picada, a fim de ser evacuado.
Fui, de imediato, pressionado para não o fazer porque, provavelmente, já o teriam morto. Eu próprio fui até junto do prisioneiro e acompanhei-o no transporte até junto do "héli". Pareceu-me que teria sido, entretanto, alvo de mais algumas agressões.

Efectuada a evacuação dos feridos e do prisioneiro, era necessário pôr a coluna em marcha para chegarmos ao destino.
Dei instruções para se abrirem os cunhetes de munições que sempre levavamos de reserva, chamei o chefe dos “flechas” e perguntei-lhe pelas pedras. Ele sorriu e eu perguntei-lhe quantos carregadores tinham ficado vazios.
"- Todos mê furriel"!
Dei instruções para entregar 20 munições a cada “flecha” a fim de carregarem as G3 e disse-lhe que se aquela situação se voltasse a repetir - "Não havia mais munições para ninguém, entendido?!"
Ora, o que aconteceu, foi que todos os soldados "flechas" que iam do lado oposto à emboscada fizeram um tiroteio danado para o lado que estavam virados, um autêntico fogo de artificio sem qualquer sentido.
Antes de dar início à marcha, fui analisar o local onde estiveram emboscados os membros do IN. Estiveram emboscados a cerca de 3 metros da picada, separados entre si por 4 a 5 metros, o que possibilitou apanhar, na zona de morte, as 4 viaturas.
Seriam 6 os elementos e, pelas marcas observadas no terreno, deviam estar ali naquele sítio hà 3 ou 4 dias. Realço aqui um pormenor importante; o condutor do carro da metralhadora, ao saltar, deve ter guinado para a esquerda e o Unimog parou mesmo em frente ao local da emboscada e o homem da metralhadora varreu bem o sítio e para além do prisioneiro foram, segundo este, mais dois elementos feridos. Portanto, dos seis, três levaram para contar, mas o outros três teriam conseguido fugir ilesos.
Reiniciamos a marcha e chegamos ao destino cerca das 17 horas. Tivemos uma recepção calorosa e lá tivemos que contar o episódio por diversas vezes.
Mandei distribuir as rações de combate e logo de seguida chamaram por mim com grande alarido:
- "Meu Furriel, olhe para isto!"
Constatei, então, que as caixas das rações de combate que iam por debaixo dos bancos do Unimog onde eu ia, estavam cravejadas de balas, latas de chouriço e atum furadas, etc.etc. Os tiros do IN foram certeiros e só a rapidez com que saltamos das viaturas nos salvou a vida. O tempo que decorreu entre o sinal do tiro de pistola e o início da emboscada, foi o tempo que as NT levaram a saltar das viaturas.
Nessa altura tínhamos já mais de um ano de operações no "papo" e estávamos com uma grande capacidade militar.
Regressamos ao outro dia com enormes cautelas, não fossemos ter alguma surpresa desagradável, batemos kms de mata a pé, a fim de evitarmos alguma eventual “revanche” do IN. Passamos pelo local da emboscada a bater mata a pé com mil cuidados, mas felizmente nada aconteceu.
Chegamos a Gago Coutinho pelas 16 horas, tomei banho, bebi uma Cuca, fardei-me e fui descansar. Passados uns minutos chamaram-me para ir ao capitão. Mal entrei, diz-me o Capitão:
- "Ó Magro, conte-me lá essa, os tipos da força aérea só me dizem que nunca tinham visto a tropa a perseguir o IN após a emboscada tão longe da picada, estavam admirados!"
Lá tive que lhe relatar em pormenor todos os acontecimentos.



Nota: Tenho comigo a foto do membro do MPLA capturado. Não a publico tendo em conta o respeito pelos direitos humanos.





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