Decorria o mês de Junho/Julho de 1973. Eu ainda era muito "pira", não tinha completado ainda 3 meses de Guiné. Vinha do "ar condicionado" e encontrava-me em Cacine, no meio de grande confusão, tropas para-quedistas, fuzileiros, Marcelino da Mata, etc. Felizmente em Cacine não faltava nada. Nao faltava cerveja morna, não faltava uma pedra de gelo, por cabeça, às refeições, não faltava o arroz de "rolhas" (arroz com muito colorau e meia dúzia de rodelas de salsicha), etc., etc.. A CCAÇ 3520 era um Companhia farta. Farta de ali estar, farta de comer arroz de "rolhas", farta de esperar pela rendição. Julgo que não cheguei a completar 4 semanas de "férias" naquela "estância balnear", mas foi o suficiente para imaginar uma estadia de 23 meses! Tenho ideia de só ter comido arroz de "rolhas" durante aquele período. Posso estar enganado. Comecei a dar mais valor ao "pessoal do mato". Antes 527 serviços de Sargento da Guarda! O Major Leal de Almeida lá continuava a fazer incursões por Gadamael e levava habitualmente consigo o outro Furriel. O Major, além de me ter pedido, no início, para lhe dar um jeito no "estaminé", pouco mais me pediu para fazer. Apenas um ou outro "mail" para Bissau. E eu..., andava por ali a ver as "bajudas"...! Certo dia, ao fim da tarde, regressados os dois (o Major e o outro Furriel), via fluvial, a Cacine, o outro Furriel, visivelmente exausto, sujo e suado, vem ao meu encontro e, completamente alterado, atira-me: - Porra, anda aqui um "gajo" a esfarrapar-se todo e a arriscar o "coiro" e tu aqui a "coçá-los"! Eu, que nunca gostei que me falassem "de cima da burra" nem com aqueles modos e que, nestas situações, tinha o hábito de responder com alguma agressividade verbal, contive-me (acreditem que a cerveja morna faz um efeito "bestial") e, calma e sarcásticamente, retorqui-lhe: - Djubi, eu sou Amanuense e não tenho lá muita queda para herói! Já viste bem este "cabedal"?! Além disso o Major nunca me "convidou para a festa"! Deu meia volta a resmungar e não me recordo de ter tido mais qualquer conversa com ele. Entretanto, eu ia jogando a "lerpa", bebendo umas "bejecas" mornas e convivendo com os Sargentos para-quedistas (ah gente do "catano"!). Recordo-me bem de um convívio nocturno na "messe" de Sargentos. Houve de tudo! Aguardente, fados, poesia, etc., tudo a roçar o "hard-core", claro! Gente espectacular, camaradagem excelente e com uma disciplina extraordinária, nomeadamente com o armamento. Guardei na memória alguns versos de um fado cantado pelos "páras" com música do hino académico - "Amores de Estudante" e que, salvo erro, rezavam assim: Quero, quero ir para Lisboa Ai, ai, eu quero Nem que seja de canoa Eu quero ir P'ra terra santa querida Dizer adeus a esta merda P'ro resto da minha vida Para-quedistas, homens nobres Tanto ricos como pobres Avançando pela mata ... (e de mais não me recordo) Ficou-me também na retina a imagem do 1º Sargento para-quedista Vicente, evacuado para Cacine vindo de Gadamael, com um tiro numa perna, a aguardar evacuação para Bissau e com quem tinha convivido alegremente naquela noite. A minha "guerra" lá foi continuando com a "lerpa", "as bejecas" mornas, o convívio com os "páras" e a excelente qualidade das instalações, nomeadamente o "balneário" de arrojado design e equipamento de conceituadas marcas. O chuveiro apresentava uma característica completamente inovadora - era semi-automático, comandado por voz! Isto é: Em cima havia um bidão de lata que continha água e um furo na base inferior tapado com uma rolha acoplada à ponta de um pau. O "fabiano" que queria tomar banho tinha de "aparelhar" com outro que tivesse a mesma intenção. O primeiro colocava-se debaixo do bidão e o outro encarrapitava-se de modo a chegar ao pau. Quando o de baixo queria água, dizia: - "abre!" e a água caía. Se queria parar, dizia: - "pára", e a água parava! (sistema altamente sofisticado para a época). Findo o duche, era só trocar de posições e a coisa funcionava bem. Entretanto, chega finalmente a Companhia que vinha substituir a CAÇ 3520. Esta entra em euforia e empenha-se rapidamente nas actividades para recepção dos novos "piras". Não possuindo máquina fotográfica, vi-me impedido de registar aqueles actos solenes hilariantes. Os "piras" não acharam muita piada à recepção. Pudera, entraram no avião em Figo Maduro com destino a S. Tomé e, quando aterraram, estavam na Guiné! Pois é verdade, iam para S. Tomé e, a meio da viagem, o Comandante do avião terá recebido ordens para rumar a Bissalanca. Pertencia a esta companhia o soldado Lemos, ex-futebolista do Boavista e, depois do F.C.Porto onde ficou célebre por ter marcado 4 golos ao Benfica no Estádio das Antas em jogo a contar para o Camperonato Nacional de Futebol, jogo que, por acaso, assisti ao vivo. Em Cacine, esta Companhia tratou logo de abrir valas por todo lado, pois tendo Guileje sido abandonada e estando Gadamael a ferro e fogo, Cacine seria, muito provavelmente, o "freguês que se seguia". Entretando, saído não sei de onde, aparece-me um camarada e pergunta-me: - Tu é que és o Magro? Respondi que sim e ele: - Deves ter uma cunha do "caraças"! - Então porquê? - Venho-te substituir. Estava sossegadinho em Bolama e mandaram-me para aqui para te substituir. Nunca tive conhecimento de cunha alguma e atribuo o facto a pressões que o Dr. Dias terá feito junto do Chefe - Major Mário Lobão, por se encontrar, provavelmente, atafulhado em papelada. Nunca o soube. Aproveitei boleia na LDM que transportou a CCAÇ 3520 para Bissau. Saímos de Cacine ao fim da tarde e chegamos a Bissau na manhã do dia seguinte, A partir dessa data eu seria, talvez, o Furriel/Sargento que melhor fazia a Guarda de Honra ao Brigadeiro Alberto da Silva Banazol! Recordo-me de, logo após o meu regresso de Cacine e estando de Sargento da Guarda, ter dado ordem de: "Apresentar armas!" quando ele se colocou em sentido frente à Guarda, e o ter feito com tal vigor que o homem, depois de bater a pala e desandar, ao passar perto de mim, disse: - "Isso, assim com garra!". Estavam feitas as pazes! |
A gesta de seis irmãos que cumpriram Serviço Militar em África (Angola, Guiné e Moçambique).
quinta-feira, 24 de janeiro de 2013
Abílio Magro
"Férias" em Cacine (continuação)
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