segunda-feira, 18 de março de 2013

Fernando Magro
O Clube de Oficiais


Instalado no Clube de Oficiais, Santa Luzia, próximo do Quartel-General, iniciei a 21 de Abril de 1970 a minha actividade nos Serviços de Reordenamentos Populacionais no Comando Chefe (Amura).
Durante a minha estadia nesse clube tive contacto com vários oficiais do quadro permanente e do quadro de complemento (milicianos) que também lá se encontravam instalados ou que, estando sedeados fora de Bissau, por lá passaram para tratar assuntos relativos às companhias que comandavam.
Em finais de Abril o General Spínola reuniu numa grande sala do Palácio praticamente todos o capitães em serviço na Guiné.
Eu, praticamente acabado de chegar, também estive presente nessa reunião.
O General traçou novos rumos no que dizia respeito à luta contra a subversão.
Deu a entender que se estavam estabelecendo negociações com os chefes terroristas no sentido da resolução política do diferendo.
Ordenou que as Companhias Operacionais não mais tomassem atitudes ofensivas, mas simplesmente defensivas. Mandou que se procedesse sem ódio nem brutalidade contra os prisioneiros de guerra e as populações afectas ao inimigo, de modo a que se possibilitasse a sua apresentação às autoridades e se pudesse caminhar para a pacificação.
Com a vinda a essa reunião dos capitães que se encontravam espalhados pelo território, pude conhecer alguns e rever o Espinha de Almeida, do meu tempo da Escola Prática de Artilharia, que se encontrava no Xitole (Bambadinca).
Este capitão miliciano, embora de pequena estatura, era corajoso.
Chamavam-lhe, por ser baixo, Capitão Pitaitas.
Mostrou, no entanto, valor militar, uma vez que nunca deixou de acompanhar os seus soldados em diversas missões, expondo-se ao fogo do inimigo.
Em dada altura sabedor do local, na mata, onde estava estacionado um numeroso grupo de "terroristas" fora do alcance do seu obus, resolveu desmanchá-lo e transportá-lo em peças para um lugar donde fosse possível bombardear a posição inimiga.
Depois de montar devidamente as peças do canhão atingiu com êxito a posição "terrorista" causando-lhe diversas baixas.
Pela sua bravura, o Capitão Espinha de Almeida foi galardoado com a medalha de serviços distintos com palma.
Na referida reunião dos capitães com o General Spínola, fui surpreendido pela forma descontraída, directa e muito incisiva, como o Capitão Vasco Lourenço procurou saber do General mais pormenores sobre o modo como actuar futuramente face às novas directivas. Directivas que passados alguns dias foram canceladas, dado que foram mortos três majores e um alferes que, desarmados, procuravam o contacto com chefes terroristas de que havia indicação de se quererem entregar.
Um dos majores (Pereira da Silva) conhecia-o muito bem, pois havia privado com ele no GACA 3 tendo ele, na altura, o posto de Tenente.

(...)Foi justamente na barbearia [do Clube de Oficiais] onde certo dia fui cortar o cabelo que se deu este episódio com o Capitão Vasco Lourenço que vou passar a contar.
Encontrando-me uma vez sentado numa das cadeiras da barbearia do Clube de Oficiais de Bissau, acomodou-se a meu lado o Capitão Lourenço.
Imediatamente solicitou que lhe cortassem o cabelo. Este pedido surpreendeu o soldado da barbearia que, tartamudeando, se aprontou para o atender.
- Mas... meu capitão, ainda nem há uma hora lhe cortei o cabelo!
Pois é. Mas vais cortar-mo de novo.
O rapaz não replicou, mas muito em surdina, ainda conseguiu pronunciar duas palavras que só eu pude entender, embora com dificuldade.
- Está "apanhado".
Também fiquei intrigado com o que se passava, pelo que procurei esclarecer o assunto mais tarde.
Quando ambos abandonamos o Clube de Oficiais, o Capitão Lourenço satisfez a minha curiosidade.
Segundo me explicou, havia-se cruzado, após o primeiro corte de cabelo, com um dos chefes militares de Bissau.
O Coronel Onze, como era conhecido e não me perguntem porquê, era muito rigoroso com o atavio e o porte dos seus subordinados, principalmente com os oficiais. Quando se cruzou com o Capitão Lourenço te-lo-á interpelado com severidade, chamando-o à atenção para o facto de o seu corte de cabelo não ser o regulamentar.
- O Senhor Capitão é miliciano?
Não, não, meu Coronel. Eu pertenço ao quadro permanente..
- Mas isso é indisculpável. Faça o favor de ir cortar o cabelo imediatamente. Essa melena na testa é uma vergonha. Depois apresente-se no meu gabinete.
Seguidamente a este relato, que tentei aproximar tanto quanto me foi possível da realidade, o Capitão Lourenço teceu várias considerações e deu curso à sua revolta interior.
Explicada a razão pela qual o Capitão Lourenço teve necessidade de cortar o cabelo, pela segunda vez no mesmo dia, o referido oficial encaminhou-se para o gabinete do Coronel Onze.






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