segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Abílio Magro
Bombas em Bissau


Bomba no Café Ronda

O Café Ronda situava-se na Av. da República, um pouco mais abaixo do cinema UDIB e do lado contrário ao deste.
Segundo me recordo, possuía uma espécie de esplanada coberta e ali se juntavam muitos militares (uns fardados, outros trajando à civil) que lá bebiam o seu cafézinho ou "bejeca", entre outras coisas. Tinha também um pequeno balcão que dava para uma rua transversal e onde também se podia beber o "cimbalino" ou a "bejeca" de pé e do lado de fora, com um atendimento muito mais célere.
Numa determinada noite do ano de 1973, eu e mais dois ou três camaradas meus, tomamos o nosso cafézinho no balcão referido e seguimos de imediato para o cinema UDIB para assistir à exibição de um qualquer filme que por lá andava.
Poucos minutos depois do início da exibição do filme, dá-se um tremendo rebentamento lá fora e, quase de seguida se ouvem diversas viaturas com buzinadelas e sirenes, indiciando haver constante transporte de feridos.
É interrompida a exibição do filme e surge uma voz aos altifalantes do cinema, solicitando a todos os médicos que eventualmente por ali se encontrassem, o favor de se dirigirem de imediato ao Hospital Militar.
Estão mesmo a ver onde este vosso camarada se dirigiu para ver o resto do filme, né? Pois, acertaram! Direitinho às Instalações Militares de Santa Luzia, onde se encontrava implantado o seu maravilhoso "T2"!
Tinham colocado uma bomba no Café Ronda, que explodiu quando este se encontrava repleto de clientes, tendo causado alguns mortos e muitos feridos.
Nesse atentado ficou gravemento ferido um "piriquito" com 2 ou 3 dias de Guiné e que eu tinha conhecido no dia anterior, pois tratava-se do "pira" que ia substituir na CSJD o meu camarada Fur. Milº Costa que terminara a sua comissão e tinha já viajado para a Metrópole.
Aquele "piriquito" acabou por ser evacuado para Lisboa e soubemos mais tarde que fora dado como incapaz. Recordo-me do nome - Romão.
Como é sabido, tratando-se de pessoal de 'rendição individual', tinha de haver um período mínimo de 10 dias de trabalho em conjunto, em que o substituído transmitia ao "pira" todas as informações relacionadas com as tarefas que este iria passar a executar e só depois isso, era autorizado o regresso a casa do "velhote".
Mas o camarada Costa, de Estarreja, era de "olho vivo e pé ligeiro" e teve artes de obter a lista oficial do pessoal que vinha no avião que estaria para chegar e onde constava o nome do seu substituto (Fur. Milº Romão) e, junto do Ten. Cor. (nessa altura o Major já tinha sido substituído), teve artes ainda maiores de o convencer que a substituição estava assegurada e que a transmissão de serviço se faria sem problemas de maior, com a colaboração dos Advogados a quem tinha solicitado previamente essa ajuda, obtendo, assim, o tão almejado papel.
E lá conseguiu embarcar e viajar para a Metrópole no mesmo avião em que o seu "pira" tinha viajado para Bssau.
Entretanto, deram-se os acontecimentos do Café Ronda, acima relatados, e a substuição não se deu, sobrecarregando durante algum tempo os Advogados (Alferes Milºs).

Bomba no QG/CTIG

Num certo dia de JAN/FEV de 1974, encontrando-me eu a convalescer de uma operação às varizes a que tinha sido submetido no HMBIS e bebendo uma "cervejola" sentado na esplanada da Messe de Sargentos de Santa Luzia, num final de tarde, dá-se semelhante rebentamento por ali perto que julgo me fez levitar por breves segundos. Segue-se de imediato o buzinar contínuo e enervante da sirene de alarme do QG e a debandada geral, desordenada e atarantada do pessoal que por ali estava.
Verificam-se então cenas dignas de um qualquer filme de Charlie Chaplin.
Com efeito, face ao crescente temor de que um dia a "coisa" ia chegar a Bissau, o pessoal andava algo receoso e muito nervoso. Quais baratas tontas, cada um reagiu da forma que julgou mais conveniente, vericando-se que alguns procuraram locais que se assemelhassem a valas, tipo condutas de águas pluviais, e aí se deitaram.
Eu, com a valentia que me é reconhecida e como é meu apanágio nestas situações, dirigi-me de imediato para o objectivo, isto é: direitinho ao quarto!
Nessa altura já não convivia com as baratas do "Biafra" e já habitava num "T2" (4 + 2 Furrieis) que, por sinal, ficava na direcção do QG e bem mais perto deste.
Quem me viu avançar decidido em direcção ao QG (leia-se quarto) terá pensado: "se este vai, vou também!".
O grupo foi engrossando e, quando passei à porta do meu "T2", não tive "lata" para entrar e lá segui com a "malta" até ao portão do QG. Aí, quem estava completamente atarantado era o meu camarada madeirense Fernandes que estava de Sargento da Guarda e não sabia para que lado se havia de virar.
Logo pensei: - "Olha se era comigo, ia ser bonito ia! Desta vez mandavam-me para o Burkina Faso!
Resumindo: Tinham colocado no QG uma bomba de alguma potência que mandou o telhado pelo ar e deitou paredes abaixo. Vi então sair em direcão ao Hospital o mercedes do Comando com o, já Brigadeiro, Galvão de Figueiredo que apresentava um ferimento no pescoço que, soube-se depois, era de pouca gravidade.
Se o rebentamento se tivesse dado mais cedo, as consequências teriam sido bem mais graves como constatei mais tarde quando regressei ao serviço, pós-convalescença.

Bomba no autocarro da Base Aérea

Não presenciei este acontecimento, do qual apenas me chegou alguma informação difusa de que teria sido colocada uma bomba no autocarro da Base Aérea, sem grandes consequências pelo facto de aquele se encontrar completamente vazio.

"Bomba" no Clube de Oficiais do CTIG

Nas Instalações Militares de Santa Luzia existia um Clube de Oficiais, composto de acomodações, messe, piscina, bar e cinema ao ar livre (podia-se fumar enquanto se via uma "sessão" - "porreiro pá!").
A classe de Sargentos tinha acesso a esse Clube para assistir à exibição de filmes e, uma vez por semana (5ªs-Feiras julgo eu) tinha também acesso à piscina.
O local era circundado por um muro formado com aqueles tijolos geométricos que permitem ver de um lado para o outro.
O cinema era montado no recinto da piscina e a tela era composta de um grande pano branco suportado por 2 altas estacas. As cadeiras eram metálicas, daquelas de fechar, usadas normalmente nos parques de campismo e nas nossas praias.
Nestas circunstâncias, as sessões de cinema eram efectuadas à noite como é óbvio e, como do outro lado do muro existiam tabancas, os respectivos habitantes viam o filme do outro lado da tela com as legendas do avesso, o que nunca impedia uma razoável assistência nativa.
Quando no filme se desenrolava uma qualquer cena de pancadaria entre um branco e um negro (Siney Poitier, por ex.) e o negro dava um murro no branco, invariavelmente se ouvia uma grande salva de palmas vinda do outro lado do muro. Compreensível, diga-se de passagem.
Alguns soldados sentavam-se nos muros e também assistiam ao espectáculo.
Naquela altura pairavam no ar receios fundados de provável início de guerrilha urbana em Bissau. Ali, no cinema ao ar livre e com as luzes apagadas por via da exibição cinematográfica, e com as tabancas do outro lado do muro..., uma bombita era "canja!"
O pessoal andava nervoso.
Naquela noite o cinema estava cheio como de costume. Eu também lá estava a ver uma "sessãozita".
De repente ouve-se o ruído de um rastilho seguido de um clarão e a debandada foi geral! Com a confusão, algumas cadeiras "ensarilharam-se" provocando tropeções e quedas e, os que caiam ao chão eram espezinhados pelos outros, como aconteveu comigo.
No chão, a ser espezinhado e com as cadeiras a atrapalhar, não conseguia fugir e entrei em pânico...! Ouvia o som das "Kalashnikov's"...! Ia ser apanhado à mão...! Despedi-me da família...!
Passadas longos minutos, lá me consegui erguer e, já pronto para saltar o muro, ouço risadas!
O pessoal da primeira fila tinha-se safado bem das cadeiras e, junto à tela, deliciava-se com o espectáculo. Extremamente nervoso e com o coração a bater a 200 r.p.m., mandei umas "bocas foleiras" aos de "tacha arreganhada" e dirigi-me ao chuveiro da piscina para lavar os arranhões (face, braços e pernas) e tive a companhia do Brig. Galvão de Figueiredo que lá foi fazer o mesmo às mãos e que vociferou: - "cambada de cretinos!"
Entretanto:

- "de quem são estas chaves?!"
- "ó Magro, olha aqui o teu cartão!"

Os meus "bens pessoais" lá foram aparecendo aos poucos.

Resumindo:
- a bomba tinha sido uma caixa de fósforos que se incendiara a um soldado enquanto acendia um cigarro em cima do muro e que se terá desiquilibrado. Na queda, terá arrastado consigo mais dois ou três camaradas;
- os longos minutos no chão a ser espezinhado, ter-se-ão resumido a meia dúzia de segundos;
- o tiros de Klashnikov seriam, afinal, as cadeiras metálicas a bater umas nas outras.

Mais um filme ficou a meio e eu, novamente, fui direitinho ao quarto!
Foi o maior susto que apanhei em 18 meses de Guiné.
Acreditem que, em pânico, a ser pisado e sem me poder levantar nem ver o que se passava ao redor, nem um feijão fradinho que fosse, me entraria no "uropígio"!
No dia seguinte, quando entro na CSJD vejo o cabo condutor-motorista do Ten. Cor. com a mão esquerda ligada.
- "Então que foi isso?"
- "Queimei-me ontem à noite no cinema."

Ali estava o autor do "crime"!






3 comentários:

  1. A bomba a que o Abílio se refere foi posta no Café Ronda no dia 26/02/1974 e não em 1973. Tenho um conterrâneo que ficou gravemente ferido.
    (Carlos Milheirão. C.Caç. 4152)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sim, é provável que tenha sido em 1974, pois já passaram muitos anos e não tenho, realmente, a certeza.

      Eliminar
    2. Mas em 26 de Fevereiro não foi de certeza, já que nessa data o meu irmão Álvaro, que prestou serviço no HMBIS, passou à disponibilidade e encontrar-se-ia já na Metrópole e recordo-me bem que ele ainda assistiu à confusão gerada naquele café depois do rebentamento.

      Eliminar