quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Abílio Magro
O Major Francisco Leal de Almeida



IN MEMORIAM
Major Leal de Almeida


Conheci na Guiné o Major Francisco Leal de Almeida em Junho/Julho de 1973 quando, com ele e outros militares, participei numa operação em Cacine como seu “secretário”, operação essa destinada a evitar o abandono das NT (nossas tropas) do quartel de Gadamael que se encontrava a ser constantemente flagelado por bombardeamentos do IN (inimigo – PAIGC).

Não convivi muito tempo com este oficial superior porque, além de eu ter sido substituído em Cacine passado pouco tempo (3/4 semanas), o Major Leal de Almeida fazia muitas incursões a Gadamael, conforme descrevo no post "Férias em Cacine".

Do que sabia na altura acerca deste Major era apenas que tinha o curso de “comandos”, tinha sido Coordenador do Batalhão de Comandos da Guiné e não estava ali para me “chatear”, pelo que me fui apercebendo e por me parecer tratar-se de boa pessoa.

Soube mais tarde, pelo meu irmão Álvaro [na Guiné também] e quando regressei a Bissau, que o Major L. Almeida era grande amigo do meu irmão Fernando, conforme refiro em nota de rodapé no post "O Sargento da Guarda".

Ainda mais tarde, já na Metrópole e posta a nu a Operação Mar Verde – Invasão de Conacry por parte de tropas portuguesas, veio-se a saber que o Major Leal de Almeida foi o militar que mais resistência opôs a essa invasão planeada pelo Comandante Alpoim Calvão, tendo-se, inclusive, negado a participar na mesma.

Numa carta que, em tempos, recebi do meu irmão Fernando, este refere-se à amizade que existia entre ele e o Major Leal de Almeida e ao seu carácter. Transcrevo a seguir alguns excertos dessa mesma carta:

[…] É verdade que resistiu, acompanhado por toda a sua Companhia de Comandos, à invasão de Conacry, capital da República da Guiné, em desacordo com o plano do Comandante Alpoim Calvão.
Mas depois de ter sido levado à presença do General Spínola e das explicações dadas pelo mesmo General a toda a Companhia de Comandos, na ilha de Soga (no Arquipélago de Bijagós) aceitou a missão e cumpriu-a inteiramente, ao contrário do Tenente Januário que desertou.

Não era só o Major Leal de Almeida que não estava de acordo em invadir Conacry. Os elementos da Companhia de Comandos Africanos na sua totalidade também não estavam de acordo em combater em Conacry para colocar no Governo uma facção contrária a Sékou Touré. Ele foi o porta-voz dessa discordância. Eram militares portugueses e não mercenários.
Só concordaram em ir porque o General Spínola lhes disse que conduziriam à República da Guiné os dissidentes do Governo de Sékou Touré, mas não seriam obrigados a desembarcar. Somente desembarcariam os que fossem necessários para libertar os portugueses aprisionados.
O Major Leal de Almeida disse-me que desembarcou. Que fez parte das tropas que tomaram o Palácio do Povo (sede do Governo). […]


Conheceram-se em Lamego quando o meu irmão Fernando por lá andou, no final do Curso de Promoção a Capitão e onde, um dia, levou a Lena, sua mulher, a almoçar na Messe dos Oficiais dos Comandos, tendo aí encontrado a Maria da Graça, ex-colega da Lena no colégio de Moncorvo e mulher do Major Leal de Almeida.

Fizeram amizade em Lamego e, mais tarde, encontraram-se na Guiné. Ele Major, Coordenador do Batalhão de Comandos da Guiné e o meu irmão Fernando, Chefe dos Serviços de Reordenamentos do Batalhão de Engenharia 447.

O meu irmão Fernando tinha conseguido alugar casa em Bissau, o que, à época, era extremamente difícil de conseguir e, em Junho de 1970, a família (mulher e filho) juntou-se-lhe.

O Major Leal de Almeida “vendo-o razoavelmente instalado e na companhia da família, tinha a ambição de ter também em Bissau a companhia da mulher e filhos” e foi ele [meu irmão] quem lhe resolveu o problema.
No Batalhão de Engenharia havia um alferes que “tinha conseguido alugar uma casa onde viveu durante vários meses com a sua jovem mulher. No fim da comissão ele ficou sozinho porque resolveram que a esposa regressaria ao Porto, cidade onde viviam”.

O meu irmão tentou “que o alferes cedesse a casa ao Major Leal de Almeida para que este pudesse chamar a família para junto de si”, mas o alferes não cedia a casa porque não queria dormir no quartel. “Dormir no Quartel, nem pensar …”, dizia ele.

Acabou, o meu irmão, por desbloquear a situação propondo ao alferes que fosse viver com ele nos seus três últimos meses de comissão.
Convidou-o a ir lá casa, mostrou-lhe as divisões e lá o convenceu, podendo, assim, a família do Major Leal de Almeida viajar até Bissau e lá se instalar.

Como o Major Leal de Almeida passava muito tempo fora de Bissau, principalmente em Madina de Boé, o meu irmão e a mulher acompanhavam de perto a família do Major e o meu irmão até tratou de toda a papelada para que a mulher dele pudesse concorrer a professora primária, como a tinha aconselhado a fazer. Foi bem-sucedida no concurso e conseguiu colocação numa escola de Bissau.

Mais tarde, permanecendo o Major mais tempo em Bissau, o meu irmão também lhe conseguiu colocação como professor de Educação Física na Escola Comercial e Industrial de Bissau.

[…] Ele era bom atleta e na sua juventude tinha sido campeão militar em Voleibol e Basquetebol. […]

[…] Em Lamego, era ele o responsável pela preparação física dos oficiais que estavam a ser preparados para as guerras de África. […]


Depois do 25 de Abril, já com a patente de Tenente-Coronel é-lhe entregue o Comando do RALIS (Regimento de Artilharia de Lisboa), onde o “Fitipaldi das Chaimites”, o Capitão Diniz de Almeida, que rapidamente chega a Major, […] o coloca por diversas vezes em situações tais que levaram os seus superiores a julgarem-no mal, colocando-o no rol dos comunistas. Não era nada disso. Era tão comunista como eu. […]

[…] era um bom homem, generoso e grato […] Muito crédulo, acreditava nos seus subordinados […]

[…] Na minha ideia, no RALIS, o Dinis de Almeida usou e abusou da bondade e generosidade do Major Leal de Almeida que foi porventura enganado pelo "Fitipaldi das chaimites" diversas vezes.[…]

[…] Foi muito mal tratado pelos seus superiores hierárquicos e nunca passou de tenente-coronel. […]

[…] Foi sempre um homem que se mostrava muito grato para comigo. […]

[…] Em toda a parte por onde passava dizia que eu tinha sido um pai para ele: porque lhe tinha arranjado uma casa em Bissau, o que permitiu a ida da família para lá e também porque lhe arranjei, a ele próprio e a sua mulher, colocação no professorado. […]

[…] Na minha frente e sempre que tinha oportunidade, dizia às pessoas que nos acompanhavam:

Na Guiné, o Pinho Valente foi para mim como um pai. […]

[…] Paz à sua alma pois há já alguns anos que não faz parte desta vida. […]


Embora eu tenha convivido muito pouco com o, então Major e depois Tenente-Coronel Francisco Leal de Almeida e que mal o conheci, não queria deixar de lhe prestar a minha homenagem publicando aqui, em sua memória, este singelo post.




Reencontro dos casais Fernando Valente/Maria Helena – Leal de Almeida/Maria da Graça:
- em Viseu (foto 1)
- nas instalações do Inatel em V.N. de Cerveira (foto 2).


Nota: Os fragmentos de texto a itálico foram retirados de um texto da autoria do meu irmão Fernando de Pinho Valente (Magro), ex-Cap. Milº Artª – Guiné – BEng 447 - 1970/1972






3 comentários:

  1. "Mas é quando Marcelino da Mata, a que se juntam outros detidos, começa a ser interrogados no RALIS que tudo se adensa. A tortura arrasta-se durante mais de sete horas ao longo das quais os interrogadores-torturadores vão mudando. Por vezes chamam-se entre si o que permite a Marcelino da Mata dar nomes aos civis e militares que o interrogam: um furriel chamado Duarte, o capitão Quinhones e dois militantes do MRPP, um tratado por Ribeiro e outro por Jorge. É aliás a este último que Marcelino da Mata diz que o capitão Quinhones ordenou “que pegasse num fio eléctrico e me torturasse, tendo-me este dado choques nos ouvidos, sexo e no nariz.”
    A estes nomes há ainda que juntar o de Leal de Almeida. Marcelino da Mata conhecia Leal de Almeida da Guiné. Ora em 1975, o tenente-coronel Leal de Almeida estava em Lisboa mais precisamente no RALIS. O que fazia nesse quartel o antigo instrutor de comandos na Guiné? Era comandante.
    Marcelino da Mata tem repetido não só que Leal de Almeida esteve presente enquanto foi torturado, como que o então comandante do RALIS desempenhou um papel activo nessas sessões de tortura. No depoimento que Alpoim Galvão transcreve em De Conakry ao MDLP, Marcelino da Mata afirma que nessa madrugada de 18 de Maio de 1975 Leal de Almeida “disse que os pretos só falavam quando levavam porrada e eram torturados, e que não tinha outra solução senão ordenar que me fizessem isso.”
    Fonte: https://observador.pt/especiais/morte-aos-traidores/

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    1. Sobre esse período da nossa história recente, existem muitos relatos contraditórios e não nos podemos cingir apenas aos transmitidos por uma das partes.
      De qualquer modo, o ex-Ten.Cor. Francisco Leal de Almeida já não se encontra entre nós, pelo que apenas nos resta desejar que repouse em paz.

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    2. O Ten-Cor. "Cmd" Marcelino da Mata também já não está entre nós. Morreu vítima de Covid-19 em Fevereiro de 2021, ainda atormentado com as dores no corpo, que o perseguiram até ao fim da vida, causadas pela violentíssima tortura a que foi submetido no Ralis, sob a supervisão do Ten-Cor. Francisco Leal de Almeida, comandante dessa unidade, que era o símbolo máximo da esquerda radical militar no PREC.

      No livro recentemente publicado acerca da vida do Ten-Cor. "Cmd" Marcelino da Mata dá-se uma "explicação" para o que, pessoalmente, movia o Ten-Cor. Francisco Leal de Almeida contra Marcelino da Mata. O Ten-Cor. Francisco Leal de Almeida, que de facto fez parte da fundação das tropas comandos (algo que o coloca no pequeno grupo de militares que usam o título "comando" sem terem o curso da especialidade), nunca verdadeiramente se distinguiu como combatente, seja no teatro operacional de Angola, seja no da Guiné, e de facto, aquando da ida a Conakri, as razões para as reservas que este oficial superior colocou à operação Mar Verde (ao ponto de ter sido severamente destratado pelo Gen. Spínola, que inclusivamente o acusou de covardia) não tinham tanto natureza militar, mas tinham uma natureza mais terrena - digamos assim - que dá pelo nome de medo.

      Ora, o medo pode provocar reacções físicas em quem o sente, e no barco que levava os homens que foram a Conakri Marcelino da Mata encontrou o então Major Leal de Almeida a vomitar e a não conseguir esconder o medo que o tomava.

      E foi isso que o mais tarde Ten-Cor. Francisco Leal de Almeida, comandante do revolucionário RALIS, não perdoou, ou seja, o aqui tão brindado oficial comandante do RALIS não perdoou que um dos mais singulares exemplos de bravura e coragem do exército português, que ao tempo, na Guiné, pertencia à unidade coordenada pelo próprio Leal de Almeida, nomeadamente o Batalhão de Comandos da Guiné, soubesse que aquele oficial superior, na realidade, simplesmente não estava à altura do título "Comando".

      De resto, paz à sua alma...

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