quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Abílio Magro
N'fendi Cadera Goss!


O crioulo é uma língua natural, isto é; uma linguagem que foi desenvolvida naturalmente pelo ser humano, de forma espontânea e serve de meio de comunicação entre os falantes de idiomas diferentes.

Estas linguagens: “Possuem normalmente gramáticas rudimentares e um vocabulário restrito, servindo como línguas de contacto auxiliares. São improvisadas e não são aprendidas de forma nativa.”

Consta que o crioulo da Guiné-Bissau (kriol) terá surgido como uma mistura de vários dialectos das mais variadas etnias, de modo a dificultar a compreensão dos portugueses, na época do colonialismo. Trata-se de uma língua falada, e não escrita, pois há poucos livros escritos em crioulo, e também não é a língua oficial do país, não sendo portanto, ensinada nas escolas.

Durante a guerra colonial na Guiné-Bissau (1963-1974), com a chegada massiva de tropas oriundas das várias regiões de Portugal, o crioulo da Guiné acabou por absorver muitos vocábulos portugueses.

Por outro lado, os militares portugueses, “na caserna”, acabaram por “inventar” algumas expressões, misturando crioulo com regionalismos e algum calão, originando uma linguagem digna de inclusão num qualquer compêndio linguístico.

Mas como, efectivamente, não existia qualquer dicionário, nem documento escrito que informasse qual o real significado de alguns termos em crioulo, estes eram por vezes usados de maneira diferente pelos militares, conforme a época e a região em que permaneceram na Guiné.

Por ex.:
“- Djubi lá!” (para alguns “Djubi” significava “Jovem” e, para outros, significaria “Olha”; “lá” significava “ali” para todos).
Assim, para uns, “djubi lá!” queria dizer: “Jovem, olha ali!”; para outros queria dizer: “Olha ali!”

De qualquer maneira este pequeno exemplo serve para demonstrar a imaginação de caserna, pois era frequente ouvir-se os militares a usarem um novo verbo; “jubilar” (de “djubi lá”), como por ex.:

“- Eh pá, estás a ‘jubilar’ a bunda da bajuda?!”
Que se podia traduzir por :
“- Eh pá, estás a olhar para o ‘traseiro’ da moça?!”

Conforme referi numa mensagem anterior, havia na sala onde eu prestava serviço na CSJD/QG/CTIG quatro escriturários, dois brancos e dois negros. Um dos escriturários brancos era também ajudante na Igreja Católica de Bissau (sacristão?) e falava crioulo muito bem. Deu-me algumas “aulas” e eu, na altura, “desenrascava-me” razoavelmente a falar crioulo.

Conhecia muitas frases e, embora seja minha intenção deixar aqui alguma informação sobre o assunto, não asseguro que a ortografia seja a correcta, já que o meu crioulo foi aprendido de ouvido, aliás como quase toda a gente por não existirem livros sobre o assunto.

O título deste capítulo “n’fendi cadera goss!”, era uma frase frequentemente usada pelos negros quando se “pegavam” uns com os outros e estavam prestes a chegar a vias de facto. Significava:
- n’ (eu)
- fendi (parto)
- cadera (cadeira, bunda)
- goss (rápido, depressa)

Isto é: “- Eu parto bunda rápido!” o que, traduzido para um português mais vernáculo, queria dizer: “- Eu parto-te já o ‘focinho’!”

Uma vez que já se passaram mais de quarenta anos e muitos dos termos se me “varreram” completamente, fiz umas pesquisas na net, onde encontrei a informação abaixo, à qual acrescentei algumas frases que aprendi de ouvido.

“Em português temos: eu, tu, ele, nós, vós, eles. Em crioulo: n', bu, i, no, bo, e. Estes são os chamados pronomes «fortes». Algumas vezes é possível usar os «fracos»; Ami, abo, elis. (eu, tu , eles).

Kuma ke bu sta? (como é que tu estás?)
Kuma bai kurpu di bo? (Como vai o seu corpo? = Como vai sua saúde?)
No na bai nus nima (nós vamos ao cinema)
Sta dretu (está certo, está bem), (o «está» virou «sta» e o «direito» virou «dretu»)
Pa bia di kê? (porquê?), (talvez uma derivação de “por via de quê”)
Alin'li (aqui estou, no sentido de «tou na boa»)

Como curiosidade, aqui vos deixo um "Pai nosso” em crioulo da Guiné-Bissau:

“No pape ku sta na seu,(Pai Nosso, que estais no Céu)
pa bu nomi santifikadu, (Santificado seja o Vosso Nome)
pa bu renu bin, (Venha a nós o Vosso Reino)
pa bu vontadi fasidu (Seja feita a Vossa Vontade), (talvez traduzido à letra: 'para vós vontade fazida')
na tera suma na seu. (Assim na Terra como no Céu)
Partinu aos no pon di kada dia, (O Pão-Nosso de cada dia nos dai hoje)
purdanu no pekadus (Perdoai-nos as nossas ofensas)
suma ke no purda kilis ki iaranu, (Assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido)
ka bu disanu kai na tentason (E não nos deixeis cair em tentação)
ma libranu di mal. (Mas livrai-nos do mal.)
Amen. (Amém)

Alguns sinónimos: ka =não; ka bai=não vou; ka tem=não tenho; ka sabe=sabe mal, não presta;
ka sibe=não sei; ka miste=não quero;
parte (de reparte?)=dá;
catota=vagina;
peso=escudo, dinheiro;
parte peso=dá escudo, dinheiro;
parte catota=anda fazer amor ;
parte punho=(adivinhem…);
Manga=muito;
Ronco=festa, bom, fixe, etc.

Se a duas ou três palavras em crioulo juntarmos uma ou outra palavra em português, ficamos a falar crioulo que nem um manjaco!

Por exemplo:
- Furriê, parte peso(1) (furriel dá um peso).
- Ka tem patacom (não tenho dinheiro).

Quando nos aparecia um preto que ainda não conhecíamos.
- Kal raça di bó?
- Fula.
- Manga de ronco!

Se fosse de uma outra etnia qualquer (são cerca de trinta) respondia-se de igual modo e eles ficavam felizes, claro, porque tinham orgulho na sua raça.

Nos anos de 1960-70 estava em moda uma canção de Gianni Morandi (cantor italiano) que tinha o título; “Não sou digno de ti”.

Na maioria das vezes as rádios locais transmitiam os seus programas totalmente em crioulo e, entre os militares, constava que a dada altura o locutor de serviço terá anunciado:

“- Pa tudu irmon de no tera e Mamadu Djaló cabita Catió, Giani Morandi na bai na canta pra bo, ‘Ka so dinho di bo’ ”.

Provavelmente tratar-se-ia apenas de uma ‘caricatura’, onde o uso de muitos «ós» dava à frase uma sonoridade engraçada.

“Pa tudu irmon de no tera” – Para todos os irmão da nossa terra, para todos os guineenses.
“Mamadu Djaló” – nome muito frequente na Guiné-Bissau.
“cabita Catió” – que mora em Catió (pequena cidade da Guiné-Bissau).
“na bai na canta pra bo” – vai cantar para vocês.
“Ka so dinho di bo” – Não sou digno de ti.


Fontes:
Wikipédia
http://marcoembissau.blogspot.pt

(1) – O peso foi a moeda da Ginué-Bissau entre 1975 e 1997, após o que foi substituído pelo Franco CFA (Colónias Francesas Africanas) aquando da sua entrada na União Monetária dos Estados da África Oriental - UEMOA (Union Économique et Monétaire Ouest Africaine).
Já antes da independência os guineenses chamavam “peso” ao escudo português da Guiné.


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